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Mendel e as ervilhas

Como o monge austríaco Gregor Mendel lançou a base da genética. A vida de Mendel, as suas experiências e as ervilhas.

Como podemos estudar a hereditariedade?

Ao passar tempo com a tua família, amigos e vizinhos, já deves ter reparado que há traços que circulam nas famílias. Por exemplo, membros de uma família podem partilhar alguns traços faciais, a cor do cabelo (como os dois irmãos na foto abaixo), ou uma predisposição para alguns problemas de saúde como a diabetes. Estas características que circulam entre familiares costumam ter uma base genética, isto é, dependem da informação genética que um indivíduo herda dos seus pais.
Imagem de um irmão e uma irmã com cabelo ruivo.
Crédito da imagem "Brother, sister, portrait, russet," de Adina Voicu (CC0, domínio público).
E se quisesses descobrir como é que a informação genética é transmitida entre gerações? Por exemplo, podes estar curioso sobre como características podem "saltar" uma geração, ou por que razão uma criança numa família pode sofrer de uma doença genética enquanto outra não. Como poderias fazer perguntas deste tipo cientificamente?
Uma primeira ideia óbvia seria estudar diretamente os padrões de hereditariedade humana, mas isso acaba por ser uma proposta complicada (vê o pop-up abaixo para mais detalhes). Neste artigo, veremos como um monge do século XIX chamado Gregor Mendel descobriu os principais princípios da hereditariedade usando um sistema simples e familiar: a ervilheira.

O monge do jardim: Gregor Mendel

Johann Gregor Mendel (1822–1884), muitas vezes chamado de “pai da genética”, era professor, um aprendiz da vida, cientista e um homem de fé. Seria justo dizer que Mendel tinha muita força: aguentou circunstâncias difíceis para fazer algumas das mais importantes descobertas em biologia.
Retrato de Gregor Mendel.
Crédito da imagem "Mendel's experiments and the laws of probability: Figure 1," de OpenStax College, Biology (CC BY 3.0).
Quando era jovem, Mendel tinha dificuldade em pagar a sua educação devido aos meios limitados da sua família, e sofreu também de doenças físicas e depressão; ainda assim, ele perseverou para se formar no ensino secundário e, mais tarde, na universidade1. Depois de ter terminado a universidade, juntou-se à Abadia Augustiniana de St. Thomas em Brno, naquilo que é agora a República Checa. Na época, o mosteiro era o centro cultural e intelectual da região, e Mendel foi imediatamente exposto a novos ensinamentos e ideias1.
A decisão de juntar-se à ordem (contra a vontade do seu pai, que esperava que ele continuasse na quinta da família) parece ter sido motivada em parte pelo desejo em prosseguir na sua educação e seguir os seus interesses científicos2. Suportado pelo mosteiro, ele ensinava Física, Botânica e Ciências da Natureza nos níveis Secundário e Universitário.

Pesquisa sobre a hereditariedade

Em 1856, Mendel começou um projeto de investigação sobre os padrões de hereditariedade que durou uma década. Embora tenha começado a sua pesquisa usando ratos, mudou mais tarde para as abelhas e as plantas, acabando por usar ervilheiras de jardim como principal sistema modelo2. Um sistema modelo é um organismo que torna mais fácil investigar uma determinada questão científica, como a hereditariedade de características. Através do estudo de um sistema modelo, os investigadores podem aprender princípios gerais que se aplicam a outros organismos ou sistemas biológicos, como os humanos.
Mendel estudou a hereditariedade de sete características diferentes nas ervilheiras, incluindo altura, cor das flores, cor de sementes e forma de sementes. Para isso, primeiro estabeleceu linhagens de ervilheiras com duas formas diferentes de uma característica, altas e baixas por exemplo. Ele cultivou estas linhagens por várias gerações até que elas fossem puras (produzindo sempre descendentes idênticos à geração progenitora), depois cruzou-as e observou como as características eram herdadas.
Além de registar a aparência das plantas de cada geração, Mendel contava o número exato de plantas que mostravam cada característica. Para a sua surpresa, encontrou padrões de herança muito semelhantes para todas as sete características que estudou:
  • Uma das formas de um traço, como ser alta, vai sempre ocultar a outra forma, como ser baixa, na primeira geração após o cruzamento. Mendel chamou a forma visível de traço dominante e a forma oculta de traço recessivo.
  • Na segunda geração, depois de se permitir que as plantas se autofertilizassem (polinizarem-se a si próprias), a forma oculta da característica reapareceu em uma minoria das plantas. Especificamente, houve sempre cerca de 3 plantas que mostraram a característica dominante (por exemplo, ser alta) para cada 1 planta que mostrava a característica recessiva (por exemplo, ser baixa), criando uma relação de 3:1.
  • Mendel também descobriu que os traços foram herdados independentemente: um traço, como a altura da planta, não influenciou a hereditariedade de outras características, como a cor da flor ou a forma da semente.
Representação dos resultados de uma das experiências de Mendel. Quando se cruza uma planta alta e e uma baixa, todos os descendentes são altos. Se descendentes se autofertilizarem, produzem plantas altas e baixas numa proporção de 3:1 na geração seguinte. A contagem verdadeira de Mendel foi 787 altas:277 baixas nesta geração (razão de 2,84:1).
_Imagem modificada de "Mendel seven characters," de Mariana Ruiz Villareal (domínio público)._
Em 1865, Mendel apresentou os resultados das suas experiências com quase 30.000 ervilheiras à Sociedade da História Natural local. Com base nos padrões que ele observou, os dados de contagem que ele recolheu, e uma análise matemática dos seus resultados, Mendel propôs um modelo de hereditariedade em que:
  • As características como a cor das flores, a altura da planta e a forma da semente foram controladas por pares de fatores hereditários que vieram em versões diferentes.
  • Uma versão de um fator (a forma dominante) pode mascarar a presença de outra versão (a forma recessiva).
  • Os dois fatores emparelhados foram separados durante a produção de gâmetas, de forma a que cada gâmeta (espermatozóide ou oócito) recebeu aleatoriamente apenas um fator.
  • Os fatores que controlavam diferentes características foram herdados independentemente um do outro.
Vamos dar uma vista de olhos mais de perto em como Mendel chegou a estas conclusões nos artigos sobre a lei da segregação e a lei da segregação independente. Em 1866, Mendel publicou as suas observações e o seu modelo de hereditariedade, sob o título Experiências na Hibridização Vegetal3,4, nos Encontros da Sociedade da História Natural de Brünn.

Legado científico

O trabalho de Mendel passou muito despercebido pela comunidade científica durante a sua vida. Como é que isto aconteceu?
Em parte, os contemporâneos de Mendel falharam em reconhecer a importância do seu trabalho porque as suas descobertas eram contrárias às ideias predominantes (populares) sobre a hereditariedade. Além disso, apesar de agora vermos a abordagem matemática de Mendel à biologia como inovadora e pioneira, ela era nova, pouco familiar e, talvez, confusa e contra-intuitiva para os outros biólogos da época5.
Nos meados de 1800, quando Mendel estava a realizar as suas experiências, a maioria dos biólogos concordava com a ideia de hereditariedade por mistura. A hereditariedade por mistura não era uma hipótese científica, formal, pelo contrário, era um modelo geral no qual a hereditariedade envolvia a mistura permanente das características dos progenitores nos seus descendentes (produzindo descendência com uma forma intermediária de uma dada característica)6. O modelo da mistura encaixava-se bem em algumas observações de hereditariedade humana: por exemplo, as crianças geralmente parecem-se um pouco com ambos os pais.
Mas o modelo da mistura não conseguia explicar o porquê dos cruzamentos de Mendel de plantas altas com plantas baixas ter originado apenas plantas altas, ou o porquê da autofertilização de uma dessas plantas altas originar uma razão de 3:1 de plantas altas para plantas baixas na geração seguinte. Em vez disso, se o modelo da mistura estivesse correto, o cruzamento de uma planta alta com uma planta baixa originaria uma planta média, que produziria mais plantas médias (como podes ver na figura abaixo)
Imagem que compara as previsões do modelo da mistura com os resultados reais de Mendel para um cruzamento entre uma ervilheira alta e uma ervilheira baixa.
O modelo da mistura prevê que todos os descendentes do cruzamento devem ter uma altura média, e que, se esses descendentes se autofertilizarem, todas as plantas da geração seguinte serão também médias.
Pelo contrário, Mendel observou que toda a descendência do cruzamente era alta, e que, quando se autofertelizavam, geravam plantas altas e baixas numa proporção de 3:1.
_Imagem modificada de "Mendel seven characters," de Mariana Ruiz Villareal (domínio público)._
Na verdade, tanto a altura da ervilheira como a altura dos humanos (tal como muitas outras características em vários organismos) são controladas por pares de fatores hereditáveis dos quais existem em várias versões, tal como Mendel propôs. Nos humanos, no entanto, há vários fatores (genes) diferentes que contribuem parcialmente para a altura e que variam entre indivíduos. Isto faz com que seja mais difícil ver a contribuição de cada fator e cria padrões de hereditariedade que lembram misturas. Nas experiências de Mendel, pelo contrário, havia apenas um fator que variava entre ervilheira alta e ervilheira baixa, permitindo a Mendel ver claramente o padrão de hereditariedade associado a este fator.
Em 1868, Mendel tornou-se abade do seu mosteiro e pôs de lado grande parte das suas investigações científicas para se focar nas suas obrigações religiosas. Durante a sua vida, não teve qualquer reconhecimento sobre os seus contributos científicos extraordinários. Na verdade, só por volta de 1900 é que o seu trabalho foi redescoberto, reproduzido e revitalizado. Esta redescoberta foi feita por biólogos que estavam quase a descobrir a hereditariedade baseada em cromossomas - ou seja, prestes a descobrir que os "fatores herdáveis" de Mendel eram transportados nos cromossomas.

O sistema modelo de Mendel: A ervilheira

Mendel realizou as suas principais experiências usando ervilheiras de jardim, Pisum sativum, como um sistema modelo. As ervilheiras são um sistema conveniente para estudos de hereditariedade e ainda são estudadas por alguns geneticistas atualmente.
As características úteis das ervilheiras incluem o seu rápido ciclo de vida e a produção de muitas sementes. As ervilheiras também costumam autofertilizar-se, ou seja, a mesma planta produz os gâmetas masculinos e femininos que se fundem na fertilização. Mendel aproveitou esta propriedade para produzir linhagens de ervilheiras de raça pura: ele autofertilizou e selecionou ervilhas durante várias gerações até conseguir linhagens que originavam descendentes iguais aos pais consistentemente (por exemplo, plantas sempre baixas).
As ervilheiras são ainda fáceis de cruzar, ou fertilizar de forma controlada. Isto é feito transferindo pólen das anteras (partes masculinas) da ervilheira de uma variedade para o carpelo (parte feminina) de uma ervilheira madura de uma variedade diferente. Para evitar que a planta recetora se autofertilize, Mendel removia meticulosamente todas as anteras imaturas das flores das ervilheiras antes do cruzamento.
Diagrama das flores de ervilheira, mostrando como é realizado um cruzamento. Primeiro, a flor da progenitora é emasculada, ou seja, as partes maculinas (anteras) são removidas com pinças ou tesouras. Depois, o pólen é recolhido da parte masculina de uma flor usando um pincel. O pólen é depositado na parte feminina (carpelo) da flor da progenitora que tinha sido emasculada.
Imagem baseada numa ilustração semelhante de Reece et al.7
Por ser tão fácil trabalhar com ervilheiras e por serem tão prolíferas na produção de sementes, Mendel pôde realizar vários cruzamentos e examinar muitas plantas individualmente, garantindo que os seus resultados eram consistentes (e não coincidências) e precisos (com base em muitos dados).

A configuração experimental de Mendel

Quando Mendel estabeleceu linhagens puras de ervilheiras com diferentes traços para uma ou mais características de interesse (como plantas altas ou baixas), começou a investigar como os traços eram herdados através da realização de cruzamentos em série.
Primeiro, Mendel cruzou duas ervilheiras de linhagem pura. As plantas usadas neste cruzamento inicial são chamadas de geração P , ou geração parental.
Mendel colheu as sementes do cruzamento da geração P e cultivou-as. Esta descendência é chamada de geração F1, diminutivo para primeira geração filial. (Filius significa "filho" em Latim, por isso este nome não é tão estranho como pode parecer!)
Depois de te examinado as plantas F1 e registado os seus traços, Mendel permitiu que estas se autofertilizassem naturalmente, produzindo muitas sementes. Mendel colheu e cultivou as sementes das plantas F1, produzindo a geração F2, ou segunda geração filial. De novo, Mendel examinou cuidadosamente as plantas e registou os seus traços.
Diagrama de um cruzamento entre uma planta alta e uma planta baixa, rotulando as gerações P, F1 e F2.
_Imagem modificada de "Mendel seven characters," de Mariana Ruiz Villareal (domínio público)._
As experiências de Mendel estenderam-se da geração F2 para as gerações F3, F4, e muitas outras depois destas, mas este modelo de hereditariedade baseia-se principalmente nas primeiras três gerações (P, F1, e F2).
Mendel não registou apenas como as suas plantas se pareciam a cada geração (por exemplo se eram altas ou baixas). Pelo contrário, contou quantas plantas tinham cada traço. Isto pode parecer chato, mas ao registar os números e pensar de forma matemática, Mendel fez descobertas que se desviavam das de outros cientistas famosos do seu tempo (como Charles Darwin, que realizou experiências semelhantes mas que não se apercebeu da importância destes resultados)5.
Podes usar os links abaixo para saber mais sobre as leis de hereditariedade de Mendel:

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